A dor da perda de uma pessoa querida é algo imensurável. Entretanto, a dor de quem perde alguém para o suicídio pode se tornar ainda mais dolorosa. O suicídio provoca inúmeros porquês sem respostas, gerando um turbilhão de sentimentos que podem potencializar o sofrimento dos enlutados.

O suicídio causa um grande impacto na sociedade. Cada morte por suicídio afeta diretamente uma média de cinco a dez pessoas, entre familiares, amigos, colegas de trabalho ou de escola e até mesmo profissionais de saúde. Na prática, isto significa que aproximadamente de 4 a 8 milhões de pessoas são afetadas anualmente por um suicídio.

As pessoas afetadas por uma morte de suicídio são consideradas como “sobreviventes”. Estas pessoas têm maior probabilidade de desenvolver um luto complicado, ou seja, mais difícil de ser enfrentado e elaborado.

Muitas pessoas enlutadas hesitam em falar sobre a perda, vivenciam uma dor pungente, de forma isolada, devido ao acréscimo de sentimentos como a vergonha, a culpa, raiva e o medo.

Dentre os sentimentos de um enlutado por suicídio, a vergonha e a culpa são os que mais prevalecem. Muitas vezes, o sentimento de vergonha é movido pela preocupação com a reação dos outros, já o sentimento de culpa emerge quando o enlutado desenvolve sentimentos de responsabilidade pelo ato cometido.

É importante ressaltar que os enlutados que perderam alguém por causas naturais também tendem a assumir um sentimento de responsabilidade pela morte do ente querido. Em ambas as situações, as pessoas acreditam que poderiam ter evitado a morte de alguma forma.

Cada sujeito encontra uma saída particular para lidar com o sofrimento trazido pela perda. Os enlutados por suicídio, tomados pelos sentimentos de raiva e culpa exacerbada, podem desenvolver condutas autodestrutivas, como forma de punição. Ou, podem também projetar os sentimentos nos outros, numa tentativa de encontrar um significado para uma situação de difícil compreensão.

Muitas vezes, as pessoas religiosas questionam a Deus por deixar a pessoa morrer e com isto tendem a enfraquecer a sua fé. Em alguns casos, quando os sentimentos são reprimidos, podem desenvolver, mais tarde, doenças psicossomáticas ou depressão.

O sofrimento e o estigma associado à perda por suicídio podem perdurar por muitos e muitos anos, até mesmo pelo resto da vida, o que pode ocorrer com qualquer pessoa da família.

A psiquiatra Alexandrina Meleiro (2004) descreve que diante da morte as pessoas enlutadas têm fantasias de que a perda irá afetá-las no futuro. A autora explica que no luto por suicídio esta ideia pode perdurar por mais tempo, pois o sujeito tende a alimentar o sentimento de culpa. Por estas razões, a Organização Mundial da Saúde recomenda às autoridades sanitárias e de assistência social que deem apoio e suporte emocional tanto para as pessoas em risco, quanto para os sobreviventes de suicídio.

A autora salienta que explorar formas de lidar com esta realidade pode minimizar o impacto causado pela perda. Isto significa que a dor de quem fica pode ser elaborada e transformada em novos sentidos, em vida.

Em minha experiência pessoal, como sobrevivente, posso dizer que elaborar a dor da perda por suicídio foi muito difícil, porém transformador. Para seguir em frente precisei reconhecer e cuidar do meu luto. Da dor da perda que marcou a minha família, encontrei um novo sentido para a minha vida. Hoje ofereço uma escuta livre de julgamentos e preconceitos para aqueles que sofrem com a dor da existência.

Diante da especificidade do processo do luto por suicídio, acreditamos que uma estratégia de intervenção indicada é estabelecer encontros de pessoas que sobreviveram ao suicídio de uma pessoa querida. Um espaço de acolhimento, nas comunidades, lugar no qual as pessoas possam falar abertamente sobre seus sentimentos, sem julgamentos. Estabelecer uma comunicação adequada em grupo, é um recurso que pode fornecer às pessoas um sentimento de apoio e pertencimento, por estarem com alguém que realmente as entende, pois estão passando pela mesma experiência.

“Toda dor pode ser suportada se

 sobre ela puder ser contada uma história”.

(Hannah Arendt)

Sugestão de leitura: Suicídio: Estudos Fundamentais

Alexandrina Meleiro Maria Augusta da Silva Meleiro;

Chei Tung Teng; Yuan Pang Wang, 2004.

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