“A liberdade é mais importante do que o pão!” – Nelson Rodrigues

Neste momento, no Centro Cultural do Banco do Brasil, está em curso a exposição “Nise da Silveira – a revolução pelo afeto”, com obras de ex-pacientes psiquiátricos do Museu do Inconsciente. Obras interessantes, que mostram o potencial criativo e terapêutico de pessoas consideradas inaptas mentalmente, o que demonstra um dos aspectos da arte, que é a liberdade de expressão, seja de qualquer grupo social. Até há poucas décadas atrás, eram obras a que não se davam o devido valor, e eram mesmo proibidas. Esta aceitação deriva de um processo histórico. Durante séculos, a arte ocidental esteve quase que inteiramente ligada e servindo ao poder, seja religioso (reprodução na arquitetura, escultura e pintura das passagens de Cristo e dos santos), ou do poder secular dos reis e da nobreza (escultura e quadros da nobreza). Nomes de grandes artistas, como Da Vinci, Michelangelo, Caravaggio, apesar de representarem a corrente na arte chamada de humanismo e renascimento, eram subvencionados pelos patronos e mecenas da época, que eram o poder religioso e a nobreza, e, por isto, muitas de suas obras eram produzidas sem liberdade criativa, apesar de uma pequena mudança no período. No século XVII, particularmente na Holanda, onde o mercantilismo e o capitalismo crescem, gerando um aumento crescente da burguesia, começa-se a criar um ambiente onde os artistas ampliam seus temas, visando atingir um público consumidor burguês mais diversificado. Porém, é nos fins do século XIX e em todo o século XX que a expressão de liberdade subjetiva do artista ocorre de maneira mais intensa, criando um questionamento constante entre o fazer do artista e os poderes (burgueses), que dominavam a esfera do poder político. Esse fazer artístico em suas várias vertentes questiona o poder econômico e político dominante. Movimentos artísticos como o Dadaísmo, Expressionismo, Surrealismo, Suprematismo, Abstracionismo, Concretismo, Brutalismo, a arte dos excluídos… desejam questionar toda a estrutura social e política vigente, através da arte. Estes movimentos produziam através da arte, tanto social quanto individualmente, uma arte que se apropriava de imagens distorcidas em relação à “realidade”, como expressão do que se imaginava ser a sociedade e o homem; e já não desejavam somente a reprodução “fotográfica” da imagem, mas do que os artistas imaginavam. Porém, no início do século XX até meados dos anos 40 ocorreram ações políticas de reação a esta liberdade de expressão, as quais ocorreram em dois países que foram dominados pelos extremos do espectro político:  a Alemanha nazista, de extrema direita, e a antiga União soviética, de extrema esquerda. Ambos tentaram impor controle restrito sobre a produção artística, seja através de proibições, perseguições, prisões e eliminação de artistas, além das limitações de verba para a produção de arte. Durante este período, só restaram os artistas que se alinhavam totalmente com o discurso político vigente. Na antiga União Soviética, se impunha o que se chamou de “Realismo Socialista”, onde se enalteciam figuras dos trabalhadores idealizados e de seus líderes, sempre construídos com corpos perfeitos e “fotográficos”, imaginando o futuro, dominado pelo socialismo soviético. Já na Alemanha nazista, houve todo um processo de destruição da subjetividade da arte e dos artistas, onde o objetivo era calar qualquer contestação ao sistema, associado com o enaltecimento do nacionalismo, através da construção de um passado mítico dos fundadores da Alemanha. Um dos exemplos mais significativos foi a exposição em 1937 da “ARTE DEGENERADA”, explorada do ponto de propaganda política pelos nazistas, onde as obras de artistas como Picasso, Kandinsky, Kirchner, Otto Dix, Georg Grosz, Gustav Klimt … foram expostas a fim de denegrir estes artistas. O final desta história todos sabem: a destruição da Alemanha após a segunda guerra mundial e, mais tardiamente, o colapso da União Soviética. Hoje, as expressões artísticas daquela época se tornaram exemplos de visões estreitas da arte, de anacronismo e de cerceamento da liberdade criativa. A arte, desde o final do século XIX, se tornou a expressão da subjetividade do artista, mostrando a pluralidade de formas e sentidos, talvez representando a diversidade de construção do mundo dos indivíduos e de determinados grupos sociais. Certamente, a arte no mundo atual, além do aspecto de oferecer diversão, apresenta por parte dos artistas o aspecto de provocação crítica aos diversos sistemas de poder, além da expressão emocional e experimental do artista. Com certeza, tal liberdade (em alguns momentos excessiva) gera aversão, incômodo e críticas apaixonadas, mas creio necessária do ponto de vista democrático, pois demonstra a pluralidade dos pensamentos no mundo atual, e em relação ao espectador-consumidor, que creio saberá avaliar e separar “o joio do trigo”, mantendo-se para a posteridade as obras que apresentam relevância enquanto expressão da realidade. Como exemplo da diversidade de expressões e liberdade, na cidade Suíça de Lausanne existe o chamado MUSEU DE ARTE BRUTA, onde obras de artistas “não oficiais, como também de excluídos sociais”, são incluídas no acervo daquele museu. Medidas de cerceamento das expressões artísticas, por parte do poder político e jurídico, possivelmente não terão vida longa, num mundo dominado por consumidores diversificados, ávidos por novidades, globalizado e democrático.

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